sábado, 9 de setembro de 2017
Chuvas do Recife
Esta semana, lendo um poema do João Cabral de Melo Neto, senti apertar a saudade de minha cidade. Toda semana abro os jornais online para verificar as notícias de lá. Nada animador. O problema se alastra por todo país. Este ano tivemos um inverno atípico, com muitas chuvas e frio. Acho que isso só serviu para enfatizar meu sentimento em relacão ao poema.
Chuvas do Recife
1
Sei que a chuva não quebra osso,
que há defesas contra seu soco.
Mas sob a chuva tropical
me sinto ante o Juízo Final
em que não creio mas me volta
como o descreviam a escola:
mesmo se ela cai sem trovão
demótica em sua expressão.
2
No Recife, se a chuva chove,
a chuva é a desculpa mais nobre
para não se ir, não se fazer
para trancar-se no não-ser.
Mais que em cordas é a chuva em sabres
que aprisiona o dia em grades,
e mesmo que tenha gazuas
da grade viva evita a rua.
3
a chuva nem sempre é polícia,
fechando o mundo em grades frias:
há certas chuvas aguaceiras
que não caem em grades, linheiras:
se chovem sem qualquer estilo
se chovem montanhas, sem ritos.
São chuvas que dão cheias, trombas,
em vez de cadeia dão bombas.
4
Há no Recife uma outra chuva
(embora rara), rala, miúda.
Não como a chuva da chuvada,
que cai, agride, e é pedra de água,
passa em peneiras esta chuva,
não traz balas, não tranca ruas:
mas faz também ficar em casa
quem pode, antevivento o nada.
Extraído de O artista incofessável, editora alfaguara, 2007.
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