segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Homens imprudentemente poéticos - Valter Hugo Mãe

"O oleiro começara a cuidar de flores na orla da montanha havia muito. (...) Acusado de se esperançar por belezas de que a natureza prescindira. (...) Nunca o dissera à Senhora Fuyu, que sentira por intuição um gesto de amor em cada pé de flor. (...) Queria que ela fosse tão propensa ao sorriso quanto o pudesse ser. (...) Padecia daquela beleza. Pensavam assim. Que tudo quanto consolava as pessoas era trabalho e um esforço terrível" - Valter Hugo Mãe, homens imprudentemente poéticos.

Um livro sobre intolerância e a beleza que media a experiência com o transcendental. Um significado para a vida que vai além do trabalho e do esforço. Seria a beleza uma espécie de universal? Tenho me feito esta pergunta frequentemente. Quem nunca experimentou um momento de enlevo resultante do contato com o belo. Uma elevação do espírito ao contemplar um jardim, durante uma visita a uma imensa catedral, o trabalho inspirado de um artística. Me parece que todos nós temos uma conceituação (simples ou de elevada complexidade) para descrever o que é o belo. Por que certas coisas nos inspiram sentimentos de transcendência e outras coisas não?

Além disso, por que só conseguimos ver a morte? O desespero se alastra por todos os lados, por todas as artes. A mim, me parece que a a arte do Século XX se preocupou excessivamente em retratar o desamparo da experiência da existência humana. O belo foi esquecido. O que se iniciou na filosofia foi vagamente se alastrado por toda a parte e hoje está na música, no cinema ou na televisão. O homem não enxerga mais a beleza ao seu redor. Não se reconhece mais como uma expressão de ordem, propósito e beleza, mas se percebe apenas como o que é natural e sem propósito, evolutivo e decorrente do aleatório. E por não se reconhecer no próximo, se refugia na intolerância e no ressentimento.

Mas há também aqui uma contradição. Mais do que não reconhecer esta imagem, há muito esforço em apenas padronizá-lo. Numa espécie de epidemia narcisística, se multiplica a intolerância contra o diferente e contraditório, se multiplicam a busca por "espaços seguros", a necessidade do coro das afirmações. O diferente (ou a beleza que há além do exótico, inesperado ou mesmo do paradoxo) é temido e rechaçado. Queremos mais do mesmo. Mais de nós mesmos.

"Aos aldeões, o oleiro declarou: quero mostrar o amor, lamento que só vejam a morte." - Valter Hugo Mãe.