quinta-feira, 28 de setembro de 2017

O passado que vive dentro de nós

Existe um passado que vive dentro de mim. Uma miragem de palavras, gestos e angústias. Uma miríade de momentos inesquecíveis. São tantos rostos, tantos sorrisos, tantas lágrimas e tantas despedidas que se fundem no calor intermitende desta fornalhada avermelhada, a memória, o consciente e o inconsequente. Ali são forjadas as armas da nossa autodefesa, o precioso escudo das angústias e das dores. A morte lenta que se destila na saudades de não mais viver, no segredo de não mais existir, de não mais haver. E meus amigos cadê ? Minhas alegrias e meus cansaços ? Eram paradas de ônibus, e o soar de alarmes que anunciavam o fim do intervalo (ou do recreio). Eram segredos que se contavam ao pé do ouvido, na certeza enganosa de não se propagarem. Era o desejo de ser grande, de ser outro alguém, da liberdade, e da responsabilidade inerente. Eram as tardes de domingo, em seu sofrego andamento. Eram os sonhos. Os sonhos abandonados pela ânsia de crescer, de ser livre. Somos livres ? Não se sabe ao certo como tudo começou, mas estão lá guardados, entre miragens e visões, entre delírios e angústias, o eterno brilho de uma mente com muitas memórias. Translúcidas, pungentes, vagas e melancólicas lembranças.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Antífona - Cruz e Sousa



Depois que tirei esta fotografia (cuja a qualidade aqui no blogger deixa a desejar, não sei o que acontece quando faço o upload das imagens que elas perdem tanta qualidade), lembrei-me de um trecho do poema Antífona, do Cruz e Sousa.


Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...

Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

P.s. Há tempos procuro uma edição de Missal e Broquéis para comprar e não encontro...

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Poemas domados


Continuo a descobri a obra do pernambucano João Cabral de Melo Neto:

Poema nenhum se autonomiza
no primeiro ditar-se, escoçado
nem no construí-lo, nem no passar-se
a limpo do datilografá-lo.

Um poema é o que há de mais instável
ele se multiplica e divide,
se pratica as quatro operações
enquanto em nós e de nós exite

Um poema é sempre como um câncer:
que química, cobalto, indivíduo

parou os pés deste potro solto?
Só o mumificá-lo, pô-lo em livro.

João Cabral de Melo Neto. Trecho do poema o que se diz a editor a propósito de poemas. Extraído de A escola das facas (1975-1980), editora alfaguara, 2008.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Eu, caçador de mim



Nada a temer
Senão o correr da luta
Nada a fazer
Senão esquecer o medo
Abrir o peito à força
Numa procura
Fugir às armadilhas da meta escura
Longe se vai sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir o que me faz sentir
Eu, caçador de mim

Foi assim que escreveram Luiz Carlos Sá e Sergio Magrão. Acho que todos vivem a busca e expectativa de se encontrarem. Descobri quem realmente somos. Nesta multifacetada revelação que há em nós, nos deparamos com muitos eu's, de muitas habilidade e inabilidades, também. Quando penso nisso, sempre me lembro da multiforme graça de Deus, que se revela em cores, tamanhos, texturas, geometrias, sabores, tons e subtons, quialteras e colcheias, em prosa e verso, em canto e silêncio.

Eu, caçador de mim, "nestes dias tão estranhos", em que "a poeira se enconde pelos cantos", a gente se pergunta: o que somos ? o que queremos ser? Enquanto não houver espaço para a pergunta, dificilmente se encontrará a resposta. Enquanto se deixa a vida nos levar, nunca conheceremos este multifacetado eu. Por isso, endosso as palavras de Lenine: "


Não deixo a vida me levar
Levo o que vale do viver

Um sorriso pleno, um amor sereno
E tudo o que o tempo me der

A vida é pra se louvar
Pra se louvar a vida é

Vem o que vier, vale o que valer
Vale o que valer, vem o que vier

Um caminho raro, um coração claro
Por todo o tempo que houver

Leva, valer, louvar, haver
Viver se houver valor a vida

Não deixo a vida me levar
Quem leva a vida sou eu
Não deixo a vida me levar

Não deixo a vida me levar
Quem leva a vida sou eu


domingo, 10 de setembro de 2017

A solidão dos astros



a solidão dos astros, a solidão da lua, a solidão que é fera e que devora, Alceu. hoje é noite de lua cheia e eu meu pergunto: há solidão quando não somos percebidos? quantos não perceberam a lua singrando os mares celestiais, surgindo imponente às 22h deste domingo? é triste ser lua, estar lua no céu e estar só. às vezes, sendo lunar, não somos nada, por que ninguém percebe que estamos lá. e mesmo estando aqui, às vezes, parece que ninguém está lá por ela. a solidão que devora os astros, devora os quartos e os corações? só não devora os desejos.

sábado, 9 de setembro de 2017

Chuvas do Recife



Esta semana, lendo um poema do João Cabral de Melo Neto, senti apertar a saudade de minha cidade. Toda semana abro os jornais online para verificar as notícias de lá. Nada animador. O problema se alastra por todo país. Este ano tivemos um inverno atípico, com muitas chuvas e frio. Acho que isso só serviu para enfatizar meu sentimento em relacão ao poema.

Chuvas do Recife

1
Sei que a chuva não quebra osso,
que há defesas contra seu soco.

Mas sob a chuva tropical
me sinto ante o Juízo Final

em que não creio mas me volta
como o descreviam a escola:

mesmo se ela cai sem trovão
demótica em sua expressão.

2
No Recife, se a chuva chove,
a chuva é a desculpa mais nobre

para não se ir, não se fazer
para trancar-se no não-ser.

Mais que em cordas é a chuva em sabres
que aprisiona o dia em grades,

e mesmo que tenha gazuas
da grade viva evita a rua.

3
a chuva nem sempre é polícia,
fechando o mundo em grades frias:

há certas chuvas aguaceiras
que não caem em grades, linheiras:

se chovem sem qualquer estilo
se chovem montanhas, sem ritos.

São chuvas que dão cheias, trombas,
em vez de cadeia dão bombas.

4
Há no Recife uma outra chuva
(embora rara), rala, miúda.

Não como a chuva da chuvada,
que cai, agride, e é pedra de água,

passa em peneiras esta chuva,
não traz balas, não tranca ruas:

mas faz também ficar em casa
quem pode, antevivento o nada.

Extraído de O artista incofessável, editora alfaguara, 2007.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Fim de tarde, dia de independência


Pra cima, Brasil!
João Alexandre

Como será o futuro
Do nosso país?
Surge a pergunta no olhar
E na alma do povo
Cada vez mais cresce a fome
Nas ruas, nos morros
Cada vez menos dinheiro
Pra sobreviver

Onde andará a justiça
Outrora perdida?
Some a resposta na voz
E na vez de quem manda
Homens com tanto poder
E nenhum coração
Gente que compra e que vende
A moral da nação

Brasil olha pra cima
Existe uma chance
De ser novamente feliz
Brasil há uma esperança!
Volta teus olhos pra Deus,
Justo Juiz!
Como será o futuro
Do nosso país?

terça-feira, 5 de setembro de 2017

O artista inconfessável

Poema de autoria de um dos meus escritores favoritos, João Cabral de Melo Neto. Quanto mais leio, mais me encanto com a obra do escritor pernambucano.


O Artista inconfessável
João Cabral de Melo Neto


Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.


Extraído de O artista incofessável, editora alfaguara, 2007.

domingo, 28 de maio de 2017

Amar e mudar as coisas me interessa mais

" Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia
Nem no algo mais
Nem em tinta pro meu rosto
Ou oba oba, ou melodia
Para acompanhar bocejos
Sonhos matinais
Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Nem nessas coisas do oriente
Romances astrais
A minha alucinação
É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais.

Amar e mudar as coisas me interessa mais ... "
Belchior - Alucinação


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Sobre o amor e o egoísmo



[...] a mais pura verdade é esta: o amor não é uma questão de se obter o que se deseja. Muito pelo contrário. A inistência em sempre ter o que se deseja, em sempre obter satisfação, em sempre ser saciado, torna o amor impossível. Para amar, você precisa sair do beço, onde tudo é obter, e crescer para a maturidade da doação, sem se preocupar em obter coisa especial em troca. O amor não é transação, é um sacrifício. Não é marketing, é uma forma de culto.


Thormas Merton. Amor e Vida. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Boa Noite, minha estrela companheira!


"Aqui mesmo em frente a minha janela
Dia a dia cresce um prédio
Que vai te roubar de nós
E eu já cansei de procurar
Onde é que a gente vai parar
Sem teu brilho pra mostrar
Pra onde caminhar"






domingo, 22 de janeiro de 2017

Meus amigos e eu quebramos o código


Em meio as monótonas vozes monotemáticas e repetitivas do mundo pop atual, às vezes, uma voz profética consegue se sobressair. Esta é mais uma daquelas canções que ouvi por acaso e para qual eu não deu o valor merecido no primeiro momento. É preciso prestar atenção na letra e perceber uma crítica ao status quo do mundo musical atual (uma canção destas escancarando as verdades do funk carioca e do sertanejo não nos cairia mal).

Royals da Lorde, uma garota neozelandesa que tinha apenas 16 anos, estourou no mundo com uma crítica bem realista a este excesso de nosense que invadiu a música pop. Louvando e engradecendo um estilo de vida totalmente inacessível para a maioria das pessoas e insustentável seja qual for o modelo econômico adotado no mundo, o pop se tornou um desfile de excentricidades e paranoias, uma repetição incansável de superficialidades. E assim destruiremos aquilo que nos torna humanos: a capacidade de criar. Royals expõe tudo isso ao colocar o dedo na ferida aberta da imbecilidade fabricada em nome do hedonismo e do lucro.


Esta neozelandesa que se autointitula Lorde (seu nome de batismo é Ella Marija Lani Yelich-O'Connor), me chocou com a força e a forma com que deixou em Royals a marca de sua indiginação. Creio que muitos compartilham deste mesmo sentimento, num mundo de superficialidades, é importante compreender o que se passa ao nosso redor. Seria muito mais útil para a humanidade se estivéssemos enaltecendo os bons exemplos que estão todos os dias a nossa volta do que registrando nossa admiração por uma vida de ostentação e superficialidades mesquinhas. É preciso aceitar que não faremos do mundo um lugar melhor submetendo-nos a este lixo comercial que só glorifica a imbecilidade.

Royals
(Lorde)

I've never seen a diamond in the flesh
I cut my teeth on wedding rings in the movies
And I'm not proud of my address
In the torn up town
No post code envy

But every song's like gold teeth, grey goose
Trippin' in the bathroom
Blood stains, ball gowns
Trashin' the hotel room
We don't care
We're driving cadillacs in our dreams

But everybody's like cristal, maybach
Diamonds on your timepiece
Jet planes, islands, tigers on a gold leash
We don't care
We aren't caught up in your love affair

And we'll never be royals
It don't run in our blood
That kind of lux just ain't for us
We crave a different kind of buzz

Let me be your ruler
You can call me queen bee
And baby I'll rule (I'll rule, I'll rule, I'll rule)
Let me live that fantasy

My friends and I, we've cracked the code
We count our dollars on the train to the party
And everyone who knows us knows
That we're fine with this
We didn't come from money

But every song's like gold teeth grey goose
Trippin' in the bathroom
Blood stains, ball gowns
Trashin' the hotel room
We don't care
We're driving cadillacs in our dreams

But everybody's like cristal, maybach
Diamonds on your timepiece
Jet planes, islands, tigers on a gold leash
We don't care
We aren't caught up in your love affair

And we'll never be royals
It don't run in our blood
That kind of lux just ain't for us
We crave a different kind of buzz

Let me be your ruler
You can call me queen bee
And baby I'll rule (I'll rule I'll rule I'll rule)
Let me live that fantasy

Ooh ooh oh
Ooh ooh oh
Ooh ooh oh
We're bigger than we ever dreamed
And I'm in love with being queen

Ooh ooh oh
Ooh ooh oh
Ooh ooh oh
Life is great without a care
We aren't caught up in your love affair

And we'll never be royals
It don't run in our blood
That kind of lux just ain't for us
We crave a different kind of buzz

Let me be your ruler
You can call me queen bee
And baby I'll rule (I'll rule, I'll rule, I'll rule)


quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Someone to rely on

Não me lembro exatamente quando foi a primeira vez que ouvi Somewhere Only We Know. Acho que foi meio sem querer, mudando de canal na televisão e assistindo aquele bonequinho estranho do videoclipe. Confesso que não prestei muita atenção na letra, inicialmente. Até mesmo por que não muito bom ouvindo inglês, preciso prestar muita atenção ou então, procurar a letra na internet.

Desde então, não posso negar minha total identificação com este sentimento de não-pertencimento descrito pelo eu-lírico desta singela canção. Quem não precisa de alguém para confiar neste mundo caótico e indiferente, onde todos se importam e ninguém se importa, na prática. São de amores líquidos e passageiros de que se alimenta quem a ninguém quer amar. Não se ama para não se magoar, e magoa-se por não amar. É mais simples usar os outros e fazer dos laços afetivos relações comerciais, processos de troca, perde-e-ganha.

Acho que hoje ninguém entende ninguém, mais do que isso, ninguém se importa em entender ninguém. A gente vive nesta miserável procurar por algum lugar especial, onde se possa fugir de tudo isso. Mas este lugar parece não existir. E eu que já moro há muitos anos longe de casa sempre me pergunto: Is this the place, we used to love? Is this the place that I've been dreaming of?

Confesso que não gosto muito de regravações; a gravação do Keane diz tudo o que tem pra ser dito. Mas confesso que acho tão linda a versão da Lilly Allen. A primeira me parece mais visceral, mais como um desabafo. A segunda me lembra um educado pedido por ajuda, um convite para mudar tudo que você pode na vida de quem você ama. Os olhos se enchem de lágrimas.

I walked across an empty land
I knew the pathway like the back of my hand
I felt the earth beneath my feet
Sat by the river and it made me complete

Oh, simple thing, where have you gone?
I'm getting old and I need something to rely on
So tell me when you're gonna let me in
I'm getting tired and I need somewhere to begin

I came across a fallen tree
I felt the branches of it looking at me
Is this the place, we used to love?
Is this the place that I've been dreaming of?

Oh, simple thing, where have you gone
I'm getting old and I need something to rely on
So tell me when you're gonna let me in
I'm getting tired and I need somewhere to begin

And if you have a minute why don't we go
Talking about that somewhere only we know?
This could be the end of everything
So why don't we go
Somewhere only we know?
(Somewhere only we know)
Oh, simple thing, where have you gone?
I'm getting old and I need something to rely on
So tell me when you gonna let me in
I'm getting tired and I need somewhere to begin

And if you have a minute why don't we go
Talking about that somewhere only we know?
This could be the end of everything
So why don't we go
So why don't we go
This could be the end of everything
So why don't we go
Somewhere only we know?
Somewhere only we know?
Somewhere only we know?




A versão de Lilly Allen

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Voltar a escrever

Resolvi voltar a escrever. Não por desejo, por necessidade, talvez. Há momentos em que escrever parece ser o melhor remédio. Estes dias uma canção não me sai da cabeça. Palavra de honra, gravado por Jessé, o cantor de origem evangélica e que ficou famoso por cantar Porto Solidão.

Palavra de honra

"Palavra que eu não sei o que fazer

Com essas coisas dentro do meu peito

Rancores, desamores do passado

Aproveitam meu estado

E tua vaga no meu leito

São grandes invisíveis inimigos

Que habitam nosso quarto sem ruídos

Me tornam presa fácil do perigo

Juventude se esvaindo

Em cada frase que eu digo

Palavra que eu não sei como evitar

Dizer coisas amargas pra idade

Dobrada que me foi pela desdita

De uma eterna mente aflita

A querer felicidade."

Acho belíssimos os versos dessa canção, desde a primeira vez que a ouvi, senti uma identidade imediata com a temática. Para quem não conhece, vale a pena conferir Jesse cantando esta musica.